“ Constatando que a maior parte das mulheres têm, neste mundo, a alegria de viver com os seus filhos, e vendo-me, eu, Dhuoda, ó meu filho Guilherme, separada e afastada de ti e, por isso, angustiada e ansiosa do desejo de te ser útil, envio-te este opúsculo, escrito por mim, para modelo da tua formação, ficando feliz porque se estou ausente fisicamente, este presente pequeno livro, acompanha-te espiritualmente para que à medida que o leres, saibas como agir, por amor a mim. “
Dhuoda, Liber Manualis, Les Éditions du Cerf, Paris, 1997, Incipit, p. 72. Trad.
No século IX, afastada da corte Carolíngia, a gerir o património do marido, em Uzès, em 30 de Novembro de 841, Dhuoda inicia a escrita de uma obra de carácter ético – pedagógico, destinada a completar a formação ética do filho primogénito, Guilherme, com quinze anos de idade.
No mesmo ano, em Junho, o jovem Guilherme fora enviado, pelo pai, para a corte como sinal de vassalagem ao seu rei, Carlos, o Calvo.
Dhuoda tinha sido recentemente mãe do seu filho mais novo que ainda não estando baptizado, não tinha nome. Esta criança, nascida a 22 de Março de 841, foi também levada, por determinação de seu pai e senhor, para a Aquitânia, onde este, duque Bernardo de Septimânia, se encontrava então.
Entre trinta de Novembro de 841 e dois de Fevereiro de 843, Dhuoda, sozinha, doente, preocupada com o futuro e destino dos filhos e do marido, vivendo num Império retalhado por lutas fratricidas, dedica-se completamente, de corpo e de alma, à execução de uma obra que possa guiar eticamente o filho mais velho, acreditando que, através deste, o seu papel de mãe e formadora poderá, um dia, envolver também o mais novo:
“ Este pequeno volume, este manual que eu compus e onde inscrevi o teu nome, logo que ele também seja chegado à idade de falar e de ler, mostra-lho e guia a sua leitura, porque ele é a tua carne e teu irmão.”
Dhuoda, obra cit., cap.I, 7, p.116.Trad.
O filho mais novo de Dhuoda recebeu o mesmo nome do pai, Bernardo, contudo, não há dados sobre a sua vida, embora Pierre Riché ( prof. da Universidade de Paris e autor da obra bilingue já citada.) considere que esta criança possa ter sobrevivido e tenha vindo a ser o pai de Guilherme de Pieux, fundador de Cluny.
Em 844, Bernardo de Septimânia, conde de Barcelona, foi executado por traição.
Em 849, Guilherme, foi condenado à morte e decapitado.
Quando terminou a sua obra, o seu Liber Manualis, Dhuoda deveria ter cerca de quarenta anos de idade, a média de vida das mulheres Carolíngias era, então, de trinta e seis anos. Quero acreditar que Dhuoda tenha podido morrer em paz, antes de tomar conhecimento da morte do marido e do filho e após ter exorcizado de si todos os sofrimentos, através da catarse da escrita.